quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

A leitura é a base sólida que sustenta a produção textual

O tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2014, que foi publicidade infantil, provocou um verdadeiro “apagão” entre os alunos (mais de 529 mil tiraram nota zero na redação). Para a assessora pedagógica do Grupo Saraiva, Romina Lotif Araújo Braga, esse fraco desempenho na redação do último exame provoca uma reflexão sobre o que os alunos têm como leitura nos textos motivadores uma vez que nem conseguem interpretar o que está sendo solicitado para, a partir daí, desenvolver seus próprios argumentos. “Percebemos nitidamente que há, sobretudo, uma falha na interpretação dos textos que leram, visto que muitos declararam não saber o que de fato estava sendo solicitado. Muitas vezes eles "constroem" argumentos que não são fruto de sua própria leitura de mundo. E quando estão diante de uma proposta "diferente" são, em sua grande maioria, incapazes de construir seu próprio texto. Acredito que a escola deve se voltar para um replanejamento das aulas de leitura, discutir de que maneira as aulas de leitura são ministradas e quais os objetos de ensino nessas aulas e como os professores planejam as aulas, que foco é dado”, avalia.
 
De que maneira podemos preparar nossos alunos para os desafios desses novos tempos?
 
Em primeiro lugar, valorizando a leitura desde os anos iniciais. Penso que essa preparação deve ser iniciada muito antes da criança entrar na escola, que em seu ambiente familiar ela deveria ter acesso à leitura. Mas como sabemos que isso envolve particularidades que não cabe à escola, não vamos nesse momento voltar a nossa discussão para esse aspecto que é cultural e que está em processo de transição. Em segundo lugar, devemos então refletir sobre o papel das instituições de ensino nesse processo. A leitura é a base sólida que sustenta a produção textual, ou seja, se pensarmos nos reflexos da leitura no resultado da última avaliação de produção textual em que mais da metade dos 6,2 milhões de participantes declararam ser egressos do Ensino Médio, e que, diante de três textos motivadores não conseguiram expressar a sua opinião, percebemos nitidamente que há, sobretudo, uma falha na interpretação dos textos que leram, visto que muitos declararam não saber o que de fato estava sendo solicitado. Acredito que a escola deve se voltar para um replanejamento das aulas de leitura, discutir de que maneira as aulas de leitura são ministradas e quais os objetos de ensino nessas aulas e como os professores planejam as aulas, que foco é dado. Como exemplo podemos citar os próprios textos motivadores na avaliação do Enem; para que os alunos pudessem argumentar sobre o assunto eles teriam que usar uma habilidade de leitura que é o "relacionar". Essa habilidade é um objeto de ensino que precisa ser ministrado nas aulas de leitura muito antes dos alunos serem alfabetizados. Segundo ela, o fato de os jovens ficarem mais na Internet e nas redes sociais e longe do livro impresso não contribuiu para esses resultados: “Um não substitui e nem exclui o outro. Depende dos contatos nas redes sociais, por exemplo. Depende do interesse de cada um”.

Como está a questão da leitura entre os jovens?
Acredito que não podemos mais "rotular" o jovem brasileiro como um indivíduo que não gosta de ler! Como disse anteriormente, estamos em processo de transição, pois hoje temos muito mais acesso à leitura do que há vinte anos. O que ocorre é que muito das leituras que são feitas por eles não necessitam do uso de muitas habilidades para serem interpretadas e eles precisam entender que há valor em tudo o que leem, mas que precisam "treinar" o olhar para aspectos relacionados com o que está implícito, ou relacionado com o seu conhecimento de mundo, por exemplo.

A senhora considerou o tema difícil? Por que provocou tanto desconhecimento?
Não considerei difícil. O que na verdade torna um tema difícil para ser argumentado é a relação dele com algumas habilidades como memorizar, relacionar e comparar, ou seja, o que pode ter acontecido é que muitos não encontraram argumentos em seu próprio repertório, em seu conhecimento de mundo, e isso envolve a memorização, para relacionar e comparar com um texto e a partir dele construir seus argumentos.

Qual a sua opinião sobre a formação dos professores para a leitura?
Eu acredito que as universidades precisam ofertar mais oportunidades nos cursos de Pedagogia e Letras para que os professores entendam a leitura como um processo que não depende apenas do gosto pela leitura ou a aquisição da leitura. Ou seja, ensinar ao professor como ele deve ensinar leitura a partir das habilidades de leitura que são o objeto de ensino nesse momento, pensando naqueles alunos que já "leem", que já são alfabetizados, para aqueles que já saíram do primeiro ciclo no EF1.

Como deve ser a seleção dos livros para os alunos do curso médio?
Não consigo pensar no Enem e visualizar apenas o ensino médio. Penso que a seleção de livros deve ser criteriosa, levando em conta a qualidade dos textos que podem e devem ser apresentados desde os clássicos da Literatura Universal até textos extremamente novos em seus diferentes gêneros (pintura, filme, fotografia, mapa - um dos gêneros presentes no texto motivacional do Enem, charge, tirinha...). E levar em conta, inclusive, de que maneira os autores exploram esses gêneros, se não o utilizam apenas superficialmente.

Como incentivar a leitura desde pequenos?
A receita é muito simples, todo mundo sabe: ler para os pequenos. Lembrando que deve ser uma leitura que transmita prazer primeiro para quem vai ler para eles. Por exemplo, se você não tem disposição para ler para uma criança todos os dias, é preferível que você leia uma vez por mês. Mas que transforme esse momento em algo encantador. As editoras têm trabalhado bastante para isso, temos excelentes livros no mercado.

Como se constrói no jovem a capacidade para entender e argumentar para que tenha sua própria opinião sobre os assuntos da atualidade?
Ensinando a argumentação como um objeto de ensino. Há gêneros textuais que são ensinados nas escolas que cumprem muito bem esse papel. Acredito que o que poderia despertar no professor, primeiramente, e depois no aluno, era a consciência que aquele momento é o momento de aprender a argumentar.

Quais as dicas para que os professores consigam preparar melhor os seus alunos não só para o Enem, mas para a vida?
Penso que todos os professores, todos os segmentos, devem preparar o aluno para esses desafios. Portanto deve ser um movimento da escola e não apenas de um professor ou parte da equipe. Que todos possam ter a consciência do trabalho que está sendo desenvolvido e entender que isso não é um segredo. Ou seja, o professor deve saber cada habilidade que está sendo trabalhada e mostrar para os alunos que há aspectos da leitura que precisam ser ensinados.

Como a leitura entrou em sua vida?
Antes de entrar na escola eu já lia. Sou nascida e criada no interior do Ceará, uma cidade muito pequenininha chamada Irauçuba. Só aos 14 anos vim estudar em Fortaleza, mas em minha casa sempre tivemos a sorte de ter vários gêneros textuais circulando entre nós, principalmente pelas mãos dos meus pais, que escolheram o meu nome a partir da leitura de uma fotonovela! Sempre li de tudo e é complicado dizer quais as primeiras leituras. Certamente os contos clássicos foram lidos inúmeras vezes, fábulas, jornal infantil... Tenho uma admiração enorme por Machado de Assis. É para mim um fenômeno atemporal, mas só o "conheci" na adolescência. Na minha opinião, toda leitura é válida. Nenhum jovem deveria deixar de ler. O que me preocupa mesmo é o que faremos a partir dela!
 
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