David Baker - co-fundador
da revista Wired propõe uma reflexão radical sobre vida digital e
trabalho na busca de espaço para o florescimento de oportunidades.
“Eu supeito que trabalhamos de um modo ainda
muito fabril, no qual estamos sendo ditados por máquinas que nos mantêm
trabalhando oito horas por dia, em vez de sermos conduzidos pelos nossos
cérebros.”
Quando pequeno, o escritor britânico David
Baker achava que os robôs do futuro seriam executores de tarefas, facilitando
nossas vidas. Hoje, questiona o risco de perdermos nossos trabalhos e a luta
para as novas tecnologias. É o que diz na abertura da The Wired World 2015,
edição especial de tendências que edita para a revista Wired, que ajudou a
fundar no Reino Unido. Colaborador de algumas das principais publicações do
mundo, Baker trabalhou como relações-públicas no Reino Unido carregando, até
hoje, o interesse pelo espaço dado às opiniões, sobretudo as negativas, do
público. Mas optou pela construção de uma jornada de trabalho mais curta e
independente, desafio ao qual se dedica continuamente. Baker mantém-se distante
das mídias sociais e bastante atento aos exageros tecnológicos, traço de sua
personalidade inquieta, curiosa e questionadora. “Eu estou sempre ansioso”,
explicou no início desta entrevista, numa escura tarde do outono de Londres, na
qual essa ansiedade se revelou como uma intensa empolgação quanto às
experiências off-line.
No apartamento que divide com Ed, seu
cativante gato que “esconde sua comida para ganhar mais”, Baker cria um
ambiente aconchegante ao redor de um lambe-lambe emoldurado, estampando uma
frase famosa em para--choques de caminhão “viajo porque preciso, volto porque
te amo”. Viajar é, aliás, uma dessas experiências indispensáveis para o
escritor, que chegou a se mudar para o México por dois meses, onde confrontou
um trauma aquático trabalhando como mergulhador.
A prática de esportes, assim como a procura
consciente por pontos de vista diversos, expõem seu desassossego com o
conforto, com os lugares conhecidos e com os algoritmos que nos enclausuram em
um mundo de opiniões similares. A ânsia de Baker não atropela, senão extrapola
analiticamente as possibilidades do humano e suas demandas frente à onipresente
oferta digital. E estimula, assim, a reflexão sobre as vidas que queremos viver
e o que podemos oferecer de único em nossos trabalhos.
Nós estamos, ainda, compreendendo as
possibilidades digitais, as novas interações, o acesso às informações... A
internet completou 25 anos. Quando foi criada, existia essa visão de equidade,
de que toda informação era igual, de que as pessoas na internet seriam iguais e
teriam igual acesso à informação. E, por algum milagre que ainda
desconhecíamos, nós conseguiríamos selecionar a informação correta. Mas, é
claro, isso não aconteceu.
Isso afeta nossas conversas, por exemplo? Se
você está em uma conversa e, de repente, alguém pergunta “qual é maior,
Azerbaijão ou Cazaquistão?”, isso é uma pergunta factual, as pessoas procuram no Google e encontram a resposta. A conversa,
então, está encerrada. Antigamente, se você estivesse em um pub e não tivesse
um atlas, as pessoas começariam a discutir. Muita informação era trocada nesse
tipo de conversa, muito além da questão central. E isso levava conhecimento às
pessoas, que podiam nem chegar a uma conclusão sobre qual o maior, mas
descobririam que alguém viajou para um desses lugares nas férias e como são as
viagens por lá.
A internet nos oferece respostas instantâneas
e isso nos torna menos empolgados quanto às respostas lentas. E eu acho que
essas são, geralmente, as mais interessantes. Obviamente, se for algo urgente,
se eu for eletrocutado e você precisar descobrir como lidar com a situação,
então pesquisar instantaneamente é importante. Mas, se estivermos tendo uma
conversa sobre o propósito da vida, sobre o que é potencial ou sobre como deveríamos
viver nossas vidas; essas são questões mais reflexivas, nas quais a tecnologia
não está muito interessada agora.
Quando temos momentos de lentidão, de
desacelerar em nossas vidas? Quando nos afastamos da tecnologia. O problema é
que as pessoas da área de tecnologia ficam apavoradas com essa ideia, porque
não querem que nos afastemos; Mark Zuckerberg certamente não quer isso. Como
resultado, essas pessoas estão criando aplicativos de meditação, de bem-estar,
coisas assim. Mas o que eles estão dizendo, na verdade, é “nós sabemos que você
quer desacelerar. Então, aqui está: tecnologia para desacelerar”. Mas a
tecnologia não nos desacelera. A única coisa que nos desacelera é nos desligar
da tecnologia.
Eu li um estudo sobre como os músicos de alto
nível praticam. Basicamente, eles fazem um ensaio de sessenta a noventa minutos
e param completamente por duas horas. Depois, praticam por mais sessenta a
noventa minutos e fim do dia. A média dos músicos muito bons, que fazem parte
de orquestras, pratica o dia todo, em torno de oito horas diárias. Mas os
melhores músicos não seguem esse padrão, fazendo um ensaio intensivo de até
noventa minutos, depois uma pausa e outro ensaio intensivo. Eu suspeito que
trabalhamos de um modo ainda muito fabril, no qual estamos sendo ditados por
máquinas que nos mantêm trabalhando oito horas por dia, em vez de sermos
conduzidos pelos nossos cérebros. E isso é muito importante, porque a
tecnologia vai mudar muito do trabalho de oito horas que conhecemos.
Vamos ter que descobrir em nossos cérebros o
que podemos oferecer ao mundo. E, de fato, pode ser algo que façamos nestas
intensas rajadas e pausas. Por isso, os
escritórios precisarão se adaptar e pensar o que fazer com as pessoas nessas
pausas. Nós precisamos aprender a celebrar o descanso e a pausa, temos que
celebrar o trabalho menos pesado.
Como
enfrentar a tendência de digitalização das relações, resgatando o face a face?
Nós estamos padecendo porque alguém, em Palo
Alto, está inventando coisas e nós presumimos que essas coisas devem ser boas.
Em São Paulo, eu falei para uma turma sobre Ralph Waldo Emerson, que no século
XIX disse que nos tornamos ferramentas de nossas ferramentas. Ele falava da
indústria, mas hoje nós nos tornamos a mesma coisa, somos escravos das nossas
mensagens. Só porque eu tenho uma serra não significa que agora, neste exato
momento, eu precise pedir licença e ir serrar um pedaço de madeira. Eu não
acordo e penso “preciso serrar algo”. Mas fazemos isso com a as ferramentas
digitais. Nós deveríamos usar as
tecnologias apenas quando suas funções fossem necessárias. Mas muitas pessoas
ao nosso redor estão constantemente sendo cortejadas pela interatividade. Os
executivos precisam liderar pelo exemplo. Incluir as pessoas em grupos de
e-mail ou de mensagens não significa que você as envolveu. É preciso ter
discussões, argumentar com elas, promover conversas entre as pessoas no escritório.
Estive em um escritório ontem e estava
completamente silencioso, todos estavam digitando. E eu me perguntei “por que
essas pessoas não estão falando umas com as outras? É alguma regra por aqui?”.
É como se elas não tivessem nada a discutir.
Como
as empresas e os profissionais podem criar esses espaços para coisas boas
florescerem, para as pessoas florescerem?
Em algumas empresas presas é dito que em
parte do seu tempo ou em alguns dias as pessoas podem fazer o que quer que as
interesse. Mas eu levaria isso além, eu adotaria a regra dos “80-20”, que
provavelmente se aplica: 20% de nós é responsável por 80% da produção. Assim,
eu poderia dizer a alguém da equipe: “você gostaria de trabalhar 20% do seu
tempo e ganhar 80% do seu salário?”. A maioria das pessoas acharia que é uma
pegadinha, porque muitos de nós não conseguimos perceber essa proporção e
tendemos a sobrevalorizar o que fazemos naqueles 80%. Quando eu comecei a
trabalhar por conta própria – e, claro, eu tinha a liberdade para isso –,
escolhi trabalhar muito menos. Tomei uma decisão, quinze ou vinte anos atrás,
de trabalhar menos, ganhar menos e gastar menos. porque é uma tríade, se você
trabalha menos, você ganha menos e precisa gastar menos dinheiro. Não quero me
colocar como modelo, porque as pessoas podem ter diferentes decisões. Mas eu
decidi que eu não queria que o trabalho fosse a coisa mais importante da minha
vida, como era para o meu pai, que tinha uma loja de roupas e trabalhava 24
horas por dia – eu provavelmente trabalho três dias por semana.
E eu tenho uma vida confortável. Eu não sou
um milionário, não tenho um carro ou férias incríveis. Mas faço boas viagens,
tenho grandes amigos, uma vida muito boa. Não saio para jantar frequentemente,
mas eu gosto de cozinhar e de ir à casa das pessoas para cozinharmos juntos. Poosso dizer que o valor da minha vida é alto,
embora meus rendimentos sejam relativamente baixos.
Mas suspeito que muitas pessoas atravessam a
vida sem se questionarem por que precisam dessas coisas que querem adquirir. E,
quando você começa a se questionar, há escolhas individuais e coisas pelas
quais você lutaria feito louco. Mas, muitas dessas coisas que você acha que
precisa, na verdade, são desnecessárias. E, quando você abre mão delas em sua
vida, você percebe que precisa ganhar menos dinheiro e, então, você precisa
trabalhar muito menos e, de repente, abre--se espaço na sua vida. E,
ironicamente, isso te ajuda a trabalhar, porque novas oportunidades de trabalho
emergem e você pode explorar mais coisas a fazer.
Estamos
trabalhando para sustentar um modelo no qual não estamos no centro?
Há um livro muito bom chamado Sapiens, de
Yuval Noah Harari, que conta a história da raça humana, da nossa espécie. E ele
diz que a agricultura foi um desastre para a humanidade, porque, antes, as
pessoas migravam, elas caçavam em grupos. Harari diz que as vidas dos
indivíduos eram muito melhores em termos de saúde, bem-estar, cultura,
relaxamento, variedade. Então, eles tinham uma vida boa e, aí, surge a
agricultura, a ideia incrível de cavar um buraco e semear coisas nele e, assim,
produzir comida como nunca tinham visto antes. Mas esses indivíduos não puderam
se dar conta das consequências disso. Primeiro, as pessoas puderam ter mais
bebês – quando se está caçando em grupo, você tem filhos a cada quatro ou cinco
anos, porque é um problema ter um bebê em migração; mas, uma vez que você se
assenta, é possível ter bebês a cada nove meses - e a população explodiu.
Segundo, ao se estabelecer em um lugar fixo, você precisa proteger seu espaço
de predadores e infecções, pragas e outros grupos que queiram seu espaço. Com isso, o trabalho cresceu massivamente. Lá
no século XVIII, com a revolução industrial, nós nos tornamos algo como partes
das máquinas. Antes, eram as nossas terras demandando atenção e, depois, eram
as máquinas. A questão é: por que as pessoas ainda ficam até tarde no
escritório? E eu acho que é porque não somos muito bons em mensurar o bom
trabalho. O jeito mais fácil de avaliar
os funcionários é ver quanto tempo eles ficam no escritório. Coisas como, “ela
é ótima, fica todos os dias até as onze da noite”. Bem, eu gostaria de
perguntar se ela é mesmo ótima ou se ela se sente obrigada a estar lá até esse
horário. Eu jamais ficaria no escritório até as onze da noite; temos família,
temos nossos amigos, temos música a escutar, coisas a fazer. Mas ainda há
muitas empresas avaliando trabalho por tempo de permanência no escritório e
isso é insano. Porque o que essas empresas fazem é criar mais trabalho para mostrar que é necessário que você esteja lá
até as onze da noite. E outra coisa que não sabemos é como monetizar isso; se
eu não sei quanto tempo você trabalha, eu não sei o quanto o seu trabalho vale.
Dinheiro é uma forma de tempo, mas o tratamos
como algo muito diferente.Muitas pessoas sacrificam seu tempo presente para
ganhar dinheiro, acreditando que mais tarde terão tempo e poderão aproveitar
esse dinheiro. Mas é muito triste que apenas algumas dessas pessoas escapem
dessa armadilha. A maioria se dá conta, aos cinquenta anos, que a vida passou e
elas continuam no mesmo lugar. Vamos encarar: nós podemos morrer amanhã.
Quantos anos quer que você tenha, tem gente da sua idade que vai morrer amanhã.
Talvez no trânsito, talvez de alguma doença desconhecida, talvez por alguma
bobagem. Eu, por exemplo, ando de bicicleta e, de repente, posso não ver um
carro vindo. E, se esse for o caso, enquanto estivermos lá, morrendo, nesses
horríveis minutos em que nos damos conta disso, estaremos nos perguntando
“Estou vivendo a vida que queria viver?”. E, se a resposta for negativa, “por
quê?”.
Há alguns anos, eu fui assaltado por dois
caras que apontaram uma arma para mim e levaram meu dinheiro. No dia seguinte,
eu acordei exatamente com esse pensamento: “e se eles tivessem atirado em mim?
Eu vivi a vida que eu queria ter vivido?”. Você usou a palavra curiosidade e é
sobre isso, fazer coisas incríveis. Por que não seguimos nossa curiosidade?
Muitas mudanças podem ser tão assustadoras
quanto essa pergunta. O cérebro é muito bom em avaliar dois estados: onde estamos
agora e onde estaremos num futuro distante. Mas não conseguimos imaginar muito
bem os pequenos passos que podemos dar agora até aquele ponto no futuro. Todos
esses clichês que são colocados em cartazes, dizendo que todas as jornadas
começam com um passo, eles estão certos. Pode ser assustador quando alguém te pede que
dê um passo, mas é também algo adorável de se pedir. Porque você quer que eu dê um pequeno passo e
experimente o que isso traz; e, se isso não me levar a um bom lugar, então eu
só preciso dar um pequeno passo em outra direção. Eu acho que as pessoas têm
muitos argumentos para serem conservadoras, nós gostamos dos lugares em que
estamos, mesmo que sejam horríveis. Tenho pensado muito sobre pessoas que se
prendem a relacionamentos negativos e porque permanecem neles. Todos nós
fazemos isso, sempre temos a esperança de que as pessoas vão mudar por si
mesmas. Mas essa esperança é, na verdade, o medo desse lugar desconhecido em
que pisaríamos.
Fui ao México três anos atrás, em férias. E
houve uma noite em que tudo estava perfeito. Estávamos sentados num pequeno bar
numa bela praia, ao final do dia e tudo era muito poético, tudo estava
perfeito. E eu me perguntei como eu poderia voltar àquele lugar. Eu gosto de
mergulhar e estava praticando com a companhia local, então perguntei a eles
“tem algum jeito de eu voltar para cá por um mês ou dois?” E eles me
perguntaram “por que você não vem estudar para se tornar um instrutor de
mergulho?”. Então eu voltei como um
assistente por dois meses. O interessante para mim é que eu era a pessoa mais
velha na companhia e o mais júnior; o trabalho era muito manual, ao invés do
trabalho intelectual com o qual estou acostumado. Isso foi muito interessante para
mim: eu não gastei todo meu dinheiro, eu trabalhei para eles, continuei com alguns
trabalhos para a Wired(enviá-los de Londres ou do México, dá no mesmo). O que pra mim foi um ótimo exemplo de pequeno
passo, porque, se tudo fosse horrível, eu só precisava mudar minha passagem de
volta para Londres.
E como
foi essa experiência?
A primeira coisa que você precisava fazer no
treinamento era nadar quatrocentos metros; meu instrutor gostava de mim, então
me pediu para nadar oitocentos. Era um dia ruim, nada como o lindo dia em que
eu deixei a cidade. Havia uma tempestade terrível e o mar estava agitado. Eu
tinha acabado de atravessar o atlântico e estava exausto. Em trinta segundos eu
já pensava “eu sou um idiota! Eu não consigo fazer isso”. E, quando eu saí da
água, ele me mandou de volta e disse “Termine isso”, o que foi ótimo. Depois
ele me explicou que eu estava nadando muito rápido na saída e pediu para eu ir
mais devagar. Em semanas eu progredi muito. Algumas coisas foram muito fáceis e
outras muito difíceis. O que eu estava
fazendo era confrontar um medo, porque eu tinha tido uma experiência muito ruim
com mergulho alguns anos antes. O que eu fiz foi dar a mim mesmo pequenos
passos, dar a mim mesmo dois meses.
Alguns esportes nos trazem essa sensação de
que precisamos continuar, de que não temos alternativa a não ser seguir em
frente. Eu tive uma experiência similar com canyoning. Estava em uma viagem com
alguns amigos e decidimos nos arriscar, sem saber muito bem o que era. Há um
momento muito importante nesse esporte, no qual você vai descendo e descendo e,
então, precisa se atirar na água, um grande mergulho. E, de repente, eu me dei
conta de que eu não podia voltar atrás, não havia outra forma de voltar ao
topo. O que quer que acontecesse, eu precisava fazer aquilo. E, na verdade, é
muito tranquilo não ter escolha. Esses momentos são importantes para nós.
Como
nossa curiosidade e entusiasmo com a vida têm sido afetados pelas novas
tecnologias?
Há duas coisas opostas. Uma incrível
curiosidade, porque é fantástico clicar em um artigo no Wikipedia com vários
links e descobrir mais e mais coisas malucas. É como morar numa biblioteca. E
podemos encontrar pessoas diferentes de nós. O mundo todo está lá para nós, é
brilhante. Mas, por outro lado, as pessoas não estão pesquisando mais, estão
apenas lendo aquilo no que estão previamente interessadas. E, geralmente, estão
falando com as pessoas que já conhecem. Nós pensamos que o mundo é um lugar
grande, mas na verdade ele é um lugar bem pequeno.
Acho que o principal é que estamos perdendo a
curiosidade pelo mundo físico. Geralmente, o que fazemos com as tecnologias,
inclusive as antigas, não necessariamente as digitais, é que tentamos negar a
existência física a partir delas. Do lado positivo, podemos construir uma roupa
de astronauta para ir ao espaço; mas, por outro lado, estamos presos nessas bolhas.
O paradoxo é que a vida digital nos dá a oportunidade de sermos mais curiosos
e, estranhamente, tornamo-nos menos curiosos
Como
se estivéssemos nos segmentando e nos isolando?
Sim. E isso não apenas com as novas
tecnologias. Vemos isso nos jornais, por exemplo. Compramos o jornal com o qual
nos identificamos, que concorda conosco e isso faz com que nos sintamos bem. A
solução é comprar, deliberadamente, o jornal com o qual você discorda, algo que
eu faço frequentemente. É importante ler essa publicação para estarmos mais
confiantes quanto às nossas visões, a partir da argumentação. Tenho um amigo
que é bastante inclinado à direita – e eu sou bastante inclinado à esquerda – e
nós costumávamos viajar juntos aos finais de semana ou algo assim. E
discutíamos amigavelmente porque era um dos maiores aprendizados que poderíamos
ter. É fácil sentar-se com alguém que concorda com você e, durante a conversa, vocês pensam as mesmas coisas. Mas
é muito melhor conversar com alguém que acha que tudo que você fala é bobagem
e, aí, você precisa defender sua posição. É muito importante encontrar pessoas
diferentes e enfrentar esses riscos. Eu mesmo já me coloquei em situações bem
problemáticas, mas, em geral, é importante para mim ser um assistente de
mergulho aos cinquenta anos, por exemplo. Ter essa experiência, isso é vida,
isso é curiosidade.
Precisamos
celebrar a diversidade?
Nas companhias, nós tendemos a recrutar
pessoas como nós. Mas há um artigo que diz que a melhor forma de aproveitar um
novo estagiário, por exemplo, é permitir que ele seja realmente opinativo. E a
pior forma de aproveitá-lo é mostrar rapidamente como é a empresa, sua cultura
e produtividade. O ideal é levá-lo a uma reunião e deixar que diga o que tiver
em sua mente, sendo irritante, se necessário. Parece loucura, né? Mas é disso
que a inovação realmente nasce. Ela não nasce do estudo de uma linha de
produtos, mas vem de pessoas que não conhecem a agenda de produtos da sua
empresa. O que precisamos fazer é abrir
nossos olhos nas empresas para as pessoas inquietantes. Não podemos ter uma
empresa apenas de pessoas assim, seria anarquia. Mas temos que ter o bastante
delas e permitir que falem o que pensem, incentivá-las a isso. Antigamente, nas
cortes, era o bobo da corte quem fazia esse papel, que dizia essas coisas,
certo? Mas, hoje, as pessoas importantes nas empresas estão cercadas de gente
como elas, pessoas que têm suas agendas de interesses, que querem ser
promovidas, que não querem discordar do chefe.
Buscamos
pessoas similares, com um padrão de pensamento e de aparência afins?
Recentemente, a European Space Agency (ESA)
conseguiu enviar um robô para um cometa. Havia esse comandante inglês, Matt
Tayllor, que era um dos cientistas líderes do projeto. Ele concedeu uma
entrevista vestindo uma camisa com diversas imagens de mulheres seminuas. Foi
uma situação controversa. Mas o interessante é que nos esquecemos da celebração
do programa científico e deixamos de prestar atenção naquele feito maravilhoso
para falar da camisa. Por que as pessoas se preocupam com sua aparência no
ambiente de trabalho? Acho que é um pouco sobre a questão de como as pessoas
nos avaliam pelo tempo que passamos no escritório, sabe? “Ela veste as roupas
adequadas, ela chega às oito da manhã”, essas são formas mais fáceis de julgar
o trabalho dos outros. Porque é muito
difícil avaliar as pessoas pela sua produtividade, criatividade ou contribuição
à inovação. Se eu gasto muito do meu tempo no escritório, as pessoas pensam que
eu sou um bom funcionário. Mas, na verdade, sou um possível mau funcionário e,
definitivamente, um “mau vivedor”, sabe? Alguém que não vive a vida de uma boa
maneira.
Como
sua visão acerca do Brasil tem mudado?
O Brasil é mais rico agora do que na primeira
vez em que estive lá. Mas, sob meu ponto de vista, ainda é interessantemente
jovem como país. As pessoas parecem ter um senso de brasilidade, algo que não
temos aqui. O que significa ser brasileiro? Ser carioca ou ser paulista? As
pessoas no Brasil ainda têm a oportunidade de criar a identidade do país.
Pela relação de colônia de Portugal ao longo
de muitos anos, os brasileiros ainda têm uma fé muito grande no governo, que
nós não temos. Eles acreditam que o governo
pode tornar as coisas melhores e há um certo desapontamento porque, geralmente,
os governos são inábeis em melhorar as coisas. E isso pode, na verdade, ser um
risco. Se você espera demais do governo, pode acabar abdicando das suas
responsabilidades individuais, como aconteceu na ditadura. Há um certo modo
brasileiro de pensar; a ideia de que as coisas provavelmente darão errado, mas,
quando elas derem errado, encontraremos um jeito. O “jeitinho brasileiro”. Isso
é algo que podemos aprender com vocês. Nós, anglo-saxões, assumimos que nada
vai dar errado porque nós planejamos bastante então ficamos estagnados quando
alguma coisa dá errado. No Brasil, e isso é um estereótipo, há a expectativa de
que vai dar errado em algum ponto, algo imprevisível; mas, quando esse ponto
chegar, acharemos um jeito de contornar isso. É algo que temos que aprender com
o Brasil. Não que as coisas darão errado, mas o chão em que pisamos vai mudar
mais e mais, a tecnologia está causando isso. Os brasileiros precisam ter mais orgulho do
“jeitinho brasileiro”.
Qual
seria sua ideia pessoal de inovação para 2015?
Mais tempo livre, de lazer. Pessoas
desconectando-se por um dia ou pelo fim de semana. Isso é hoje um perfil bem
atípico de pessoas, que não fica checando a tecnologia o tempo todo, que não
enlouquece em dois dias off-line. Pessoas que desconectam.
Fonte: Revista Comunicação
Empresarial - edição 2642, pg. 44 a 53
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