quarta-feira, 22 de julho de 2015

Entrevista: O homem que ensina a escrever. E a fazer poesia.

Gilson Rampazzo foi professor de Redação no Cursinho e no Colégio Equipe por mais de trinta anos, e o responsável pela criação de Redação como matéria curricular. Foi também por mais de vinte anos coordenador do Setor de Criação Literária do Museu Lasar Segall. Autor de Os Deuses Chutam Lata na Consolação, pela Atelier Editorial, e do blog "Gílson Rampazzo: crônicas e outros textos". Gilson nasceu em Limeira, em uma época em que não existiam bibliotecas na cidade. Aliás, a primeira foi inaugurada quando ele já estava no ginásio. A sorte é que o pai gostava muito de ler e foi o seu primeiro exemplo. O pai e Monteiro Lobato estavam ao seu lado. Começou bem. Virou professor de Redação meio por acaso, mas acabou criando um método e ajudou na formação de muita gente boa e famosa por aí. A poesia foi chegando na sua vida no momento certo e até hoje só consegue escrever à mão. E continua ajudando muitos a verterem seus sentimentos através dela, como um afinador de palavras, sons e emoções. 
Para acompanhar seus textos, entre no site: www.gilsonrampazzo.com.br
Por que resolveu começar um blog?
Acho que resolveram por mim, uma amiga achou que era importante reunir meus textos. Quando você escreve, quer que alguém leia, acho que por isso resolvi colocar tudo no blog e hoje já estou começando a mexer no computador. No blog tem poemas, crônicas, novelas, contos e diálogos informais. Minha mulher Luciana ajuda muito, ela está tentando organizar e editar meus livros. Tenho a continuação de um romance policial, um livro teórico sobre redação e outros.

Qual o segredo de tanto sucesso como professor?
Eu devo aos maus alunos e não aos bons. Se alguma qualidade que eu tive como professor foi sempre prestar atenção naquele que não sabia escrever.

Quando começou a se interessar por poesia?
Foi no ginásio, pedi para a professora Zenaide uma indicação e ela indicou Olavo Bilac. Li, mas não gostei muito, achei muito empolado. Pedi outra indicação e ela novamente disse: “Leia Bilac”. Então encontrei J. G. de Araújo Jorge e seu romantismo desvairado e até gostei. Então apareceu Carlos Drummond de Andrade e a pedra no caminho. Não entendi nada e fui novamente falar com a professora. E ela disse que eu não me preocupasse com os modernistas, que eu deveria ler Bilac. Mas eu sabia que Drummond havia sido indicado ao Nobel e pensei que deveria continuar lendo e tentar entendê-lo. Li “E agora José?” e voltei para a pedra e, de repente, compreendi a metáfora e toda beleza da poesia. Foi o click que faltava.

É difícil escrever poesia?
Não é fácil fazer poesia, não é fácil escrever. Mas a dificuldade está em tudo na vida. Cem anos de solidão você lê num fluxo, mas Gabriel García Márquez levou dez anos para escrevê-lo. O João Cabral de Melo Neto levou sete anos para concluir o poema “Tecendo a manhã”.

Como você começou a dar aulas?
Primeiro eu tinha resolvido fazer o curso de Direito, mas quando me imaginei de terno e gravata defendendo marginal resolvi que não era esse o seu caminho. Um amigo falou sobre a Faculdade de Letras e fui dar uma olhada no programa por curiosidade. Quando eu li, pensei: nossa, nessa faculdade tem aula de lazer. E me encontrei. Mas comecei como professor por acaso. Estava precisando de trabalho e um amigo contou que havia uma vaga para professor de cursinho na FAU. Achei que daria um mês de aula apenas, mas já no primeiro dia percebi que deveria levar muito a sério. Em uma pesquisa realizada na PUC eles classificaram alunos que escreviam bem e foram verificar as variáveis, e uma delas foi a origem dos alunos. Todos os que vieram do Equipe escreviam bem. É um retorno legal .


E a metodologia?
Comecei a dar aulas e senti falta de uma metodologia. Aos poucos fui criando a minha e até hoje ela é atual. Foi dando aulas em um curso de Madureza que vieram as inspirações. alunos escreviam muito mal e eu precisava fazer coisas, até muito loucas, para que prestassem atenção e gostassem de escrever. Um dia, peguei um jornal, piquei em pedacinhos, joguei tudo para o alto e disse para a classe: “Cada um pega um pedaço e o que estiver escrito será o tema da redação”. Eles adoraram. Em outra oportunidade pedi que os alunos ficassem quietos na cadeira, pensando, durante dez minutos. Depois pedi que eles se levantassem e falassem em voz alta e, por fim, que escrevessem. Conclusão para a classe: “Vocês tiveram contato e perceberam a diferença da palavra pensada, falada e escrita”.
Por que eu fazia isso? Não sei, mas eles se divertiam com todas essas novidades e, o que era melhor, aprendiam a escrever.

Os alunos ajudavam o professor também?
Claro, a minha metodologia para as aulas de Redação eu devo a essa classe de Madureza e a um aluno completamente alterado, que foi até encaminhado para tratamento psiquiátrico. Os textos dele eram confusos. Ele veio conversar durante um plantão de redação e eu percebi que ele não estava bem, encaminhei-o para o setor de psicologia que fazia orientação vocacional. De lá foi para o psiquiatra e para internação. Isso aconteceu em maio e em agosto ele voltou e mandou um recado me agradecendo. Tinha saído de casa, era um ambiente familiar muito conturbado e estava morando com uns tios.

E como você conseguiu lidar com ele?
Ele voltou para a classe depois da alta e os textos continuavam muito ruins. Fui separando tudo o que estava errado e fui classificando os erros, dos mais fáceis aos mais difíceis. Ele errava palavras, concordância, estrutura, tudo. Bolei exercícios específicos para cada um dos níveis desses erros. Em uma folha de papel sulfite fui colocando todos os erros e ao lado já propunha os exercícios para levá-lo a uma conscientização maior da palavra, ortografia, emprego de vocábulos, pontuação, colocação do sujeito e outros. Depois de dois meses de trabalho esse aluno voltou para a turma e estava melhor que os outros. Então pensei: se eu consegui com ele, posso ensinar qualquer um, vou conseguir melhores resultados com outros alunos. Foi a segurança que eu precisava e meu método nasceu assim.

Há muitos poetas surgindo no seu curso?
No curso de poema não estou preocupado em transformar o aluno em um poeta. Poesia é um instrumento exploratório da palavra, das possibilidades expressivas da palavra. O que me fez perceber que o poema tem a ver com o primeiro nível da palavra foi também essa turma de Madureza.

O que mudou com a internet? Os alunos estão escrevendo pior do que antes?
É mentira. Eu me lembro quando diziam que o cinema ia acabar com o livro. Depois era a televisão. Acaba nada, o setor livreiro é um setor sem crise. Na verdade, nunca se leu tanto quanto se lê hoje. A internet facilitou a leitura do que a gente lê.
Escrever mal é um mal nacional, sempre foi assim, no meu tempo era pior, não tinha tanta disponibilidade de livro.

Ler é essencial para escrever bem?
Fui conhecer uma biblioteca quando entrei no ginásio, e na minha cidade não existia livrarias. Quando eu comecei a me interessar em comprar livros não tinha onde comprar, a opção era viajar até Campinas ou São Paulo. Acredito que em muitas cidades do interior ainda seja assim. Sempre gostei de ler, mas não acho que para escrever bem é preciso ler. Se fosse verdade, professores de literatura e os críticos literários seriam grandes escritores. Muitos alunos escrevem crônicas sem ter lido uma. Ler é importante porque ler é importante, não para escrever. Costumo falar para os meus alunos que ler não é mais importante do que olhar formiga. Você pode ter uma grande ideia observando uma formiga e que certamente será melhor do que se apropriar de uma ideia alheia.

Como fazer com que os alunos gostem de poesia?
De um modo geral ninguém gosta de poesia, mas a verdade é que a maior parte de quem diz que não gosta nunca leu poesia. Aí entra no curso, começa a fazer e curte, se descobre poeta, se interessa em ler poesia e conhecer poetas. Aos poucos, conforme vai aprendendo a fazer, vai descobrindo a beleza dos poetas consagrados e vai se interessando. É o mesmo processo da comida, quando dizem que não gosta mas nunca experimentou.

Quem é o seu poeta preferido?
Gosto muito de Drummond e João Cabral de Melo Neto. Esse último pela sensibilidade poética, pela qualidade do texto, concisão, qualidade que eu não tenho, sou muito prolixo.

Há lugar para poesia nesse nosso mundo?
A poesia está no lugar onde sempre esteve. Recentemente ocorreu um fenômeno com a poesia que virou assunto de jornais, revistas, tevês e o livro mais vendido foi a obra do Paulo Leminski. Isso contraria tudo o que se fala sobre as pessoas não gostarem de poesia. Poesia nunca foi muito lida mesmo.


Onde está a poesia?
Comprei livros de Drummond em uma banca de saldo. As pessoas dizem que não gostam de poesia mas curtem música popular. Perdemos Fernando Brant, um grande poeta, e há muitos outros na música, como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Arnaldo Antunes.

Seria um caminho para os professores incentivar a poesia através da música?
Música é importante, poesia é importante. Se a poesia faz parte da música então mais ainda. A poesia está no cotidiano das coisas, ela está muito mais perto do que a gente pensa. Pela periferia acontecem centenas de saraus poéticos, há muitos jovens fazendo poesia, pode ser de má qualidade mas é poesia e de vez em quando aparecem coisas boas. Atualmente há mais grupos poéticos e jograis do que antigamente. Vira e mexe desponta alguém nesses grupos.

Os professores deveriam incentivar mais a poesia?
Em minhas aulas de Redação, quando vem o tema poesia o comentário inicial é sempre não gosto. As escolas poderiam incentivar mais. O problema é que as faculdades de Letras são muito ruins, não formam professores com uma boa visão da própria literatura, não só poesia. O ensino, o uso do texto, é malfeito. Certa vez fui dar uma palestra sobre redação para professores de primeiro grau em Rio Claro. Fiz a palestra, falei da metodologia e abri para perguntas. Eram umas 150 pessoas no auditório e uma professora perguntou como deveria fazer para que os alunos se interessassem pela leitura. Disse que dava livros e questionários, mas que eles se interessavam mais pelos desenhos da TV. Eu falei que ela pedisse que os alunos respondessem um questionário sobre os desenhos, garantindo que em uma semana eles não iam mais querer saber dos desenhos da TV.


E como despertar o interesse em sua opinião?
Deixa o aluno livre, não tira o prazer da leitura com questionários, com perguntas. Deixa a criança fluir, pega o livro e lê para ela, vai contando, você vai ver todo mundo com a carinha atenta. Livros não faltam, há livros até para bebês. Pena que os professores sejam muito mal preparados e não consigam despertar o interesse. E os pais também não ajudam. O meu interesse pelo livro não veio do professor, veio do meu pai. Eu tinha muitos livros em casa, eu tinha o exemplo, é preciso despertar a curiosidade. Os pais não leem mas querem que os filhos façam o que eles não fazem. O pai pode ler, comentar, basta isso para despertar o interesse. Nós precisamos ter essa cultura de leitura.
Texto de Ivani Cardoso
 
 



 
 
 
 
 

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