Fernando Savater: filósofo da ética e da educação |
Savater é reconhecido por seu ativismo nas áreas da ética, da
religião e da luta contra o terrorismo. Formado em Letras e Filosofia, é
autor de mais de 50 obras entre ensaios, narrativas e teatro, além de
inúmeros artigos jornalísticos. Considera a filosofia como uma atividade
de crítica permanente para expressar a subjetividade e provocar.
Destacado por sua especialização em ética, defende uma ética do “querer"
em contraposição com uma ética do “dever".
É um importante teórico na área da educação. Em Desperta e lê, O valor de educar e Ética para meu filho,
seu livro mais conhecido, o filósofo se dirige aos protagonistas da
educação, compartilhando perplexidades e esperanças. Iniciou a carreira
como professor na Universidade Autônoma de Madri, função da qual foi
afastado em 1971, pelo regime franquista. Nos anos seguintes, viveu
exilado por vontade própria na França. De volta à Espanha, concluiu, em
1975, o mestrado com uma tese sobre Nietzsche e voltou a lecionar na
cátedra de Ética na Universidade do País Basco.
Desde 1995, é professor de filosofia na Universidade Complutense de Madri e, atualmente, também é diretor da revista cultural Claves de Razón Prática.
Envolvido em polêmicas culturais, estéticas e políticas na Espanha, foi
um dos fundadores do partido liberal Unión Progreso y Democracia em
2007. Em sua mais recente obra, ¡No te prives! Defensa de la ciudadania, questiona os direitos e deveres da cidadania democrática em um contexto de desconfiança política.
Fernando
Savater possui influências confessas de Nietzsche, Cioran e Spinoza, e
sua linha de pensamento foi categorizada como antiautoritarismo radical.
Em 1982, recebeu na Espanha o Prêmio Nacional de Ensaio com La tarea del héroe, no qual defende que a ética seja liberada dos vínculos da moral, estabelecendo-se como um evento aberto com autonomia própria.
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O desenvolvimento humano de uma sociedade pode ser medido por meio de
dois fatores: o tratamento dispensado aos prisioneiros e aquele dado aos
professores, em especial aos do ensino fundamental. É o que defende o professor
de ética da Faculdade de Filosofia da Universidade de Madri, Fernando
Savater.
O filósofo espanhol escolheu a segunda vertente, a educação, para
dedicar a sua reflexão, e tenta fazê-lo de maneira inovadora: não só busca
distinguir causas e efeitos da atual crise educacional em todos os âmbitos
sociais, como também indica novas vias para superá-la e conclama políticos,
professores e, sobretudo, os próprios jovens a discutir e participar plenamente
dessa reflexão. Em entrevista à Revista
Educação, Savater, conferencista do Fronteiras do
Pensamento no mês de outubro, apresenta aquelas que considera as principais
dificuldades da arte de educar. Leia abaixo:
O senhor afirma que a verdadeira educação não consiste somente em
ensinar a pensar, mas "em aprender a pensar sobre aquilo que se
pensa". O que isso significa?
Fernando Savater: Creio que a educação tenha certamente de transmitir
conhecimentos, conhecimentos reais, não basta somente aprimorar habilidades.
Porém, por outro lado, devido ao fato de os conhecimentos atuais mudarem muito,
se ampliarem, hoje o importante é ter uma disposição capaz de refletir sobre a
informação. Antigamente, a educação buscava informar, porque não havia outras
fontes de informação. As crianças necessitavam ser informadas por meio de
notícias, dos fatos do mundo, da ciência. Mas, hoje, recebemos informações a
partir de muitos canais, como a internet e a televisão. Por isso, o importante
é ensinar a capacidade de refletir e organizar. Refletir sobre essas
informações e descartar as menos válidas, ter uma mente capaz de ordenar o que
se sabe, e não uma mente simplesmente cheia de dados e de notícias.
O senhor define a educação como a revelação do outro. Em que sentido?
Fernando Savater: Por meio da educação, nós descobrimos as nossas
capacidades. A educação tem uma dimensão de transmissão de conhecimentos e de
capacidades. Mas há também um descobrimento dessa dimensão social, dessa
dimensão simbólica que nos une aos demais. A criança está acostumada a viver em
um mundo familiar, em um mundo um pouco privado, separado dos outros. Por meio
da educação, ela conhecerá os vínculos capazes de uni-la aos outros cidadãos,
aos outros países, ao mundo. E esse mundo simbólico no qual os homens vivem se
descobre por meio da educação.
Na sua análise da sociedade contemporânea, o senhor identifica um
eclipse da família, pois os pais não querem ser pais e incumbem o Estado dessa
tarefa, o que obriga o Estado a ser ainda mais paternalista. Também os pais
devem ser educados para se tornar pais?
Fernando Savater: Não é uma questão fácil, por isso acredito que
devemos tentar educar os filhos, porque educar os pais é impossível. Os pais
conscientes e reflexivos já estão grandes para educar a si mesmos, para pensar
na educação dos filhos. Os pais conscientes tentarão formar-se, ler, acudir os
filhos, acompanhá-los na vida escolar. Mas isso é um ato voluntário, não podem
ser obrigados a fazê-lo. O importante é formar as crianças, para ter melhores
pais e melhores cidadãos no futuro.
Em O valor de educar, o senhor afirma que a escola atual enfrenta uma
dupla missão: suprir as carências na formação básica da consciência social e
moral das crianças e competir com a socialização hipnótica e acrítica da
televisão. Não é uma tarefa grande demais para uma escola que, ao menos no
Brasil, muitas vezes não consegue nem mesmo alfabetizar?
Fernando Savater: Certamente é uma missão árdua, mas será que temos outra
alternativa? Temos de cumprir essa missão. Há países, como o Brasil, que não
têm recursos, porque a boa educação é uma educação cara. Mas é possível
renunciar a educar os jovens e as crianças?
Se a boa educação é cara, a má educação é ainda mais cara. Por isso, é
vital convencer a sociedade da importância da educação. A educação exige um
desembolso econômico considerável, exige uma boa preparação dos professores,
exige todo um compromisso social. Não temos nenhuma alternativa. Dizer que as
coisas são difíceis quando não temos mais remédios para fazê-las não é a
solução.
O senhor define a pedagogia mais como uma arte do que como uma ciência,
que necessita mais da intuição e da capacidade de seduzir do que de seus
conhecimentos científicos. Diante das desastrosas condições de trabalho, não se
pede muito aos professores?
Fernando Savater: Sim, creio que esse seja um problema em quase todos os
países. Exige-se muito dos professores, mas eles não são retribuídos. Além
disso, eles recebem uma preparação deficiente, sobretudo os do ensino
fundamental, que são os mais importantes, porque, se não cumprem bem seu
trabalho, não se pode educar. Os professores, praticamente em quase todos os
países, estão um pouco abandonados pela sociedade. A sociedade não lhes dá ouvidos.
Quando há um momento de participação social através dos meios de comunicação,
os docentes não são ouvidos. Eu creio que seja verdade que eles são muito
exigidos. Agora, por exemplo, pede-se que os professores resolvam os problemas
de intolerância, de xenofobia, porém não lhes são dados os meios para fazer
isso.
Em sua última visita a Roma o senhor falou sobre a intolerância. Na
Itália, por exemplo, em algumas salas de aula há mais estudantes estrangeiros
que italianos - o que representa um desafio para o sistema escolar. Como se
educa para a tolerância?
Fernando Savater: Não há um método único. A tolerância tem de ser um
princípio das sociedades pluralistas e temos de ensinar a conviver com aquilo
de que não gostamos. Tolerar não é considerar que tudo é igual, que tudo é bom,
que tem de se entusiasmar com tudo o que os outros fazem ou pensam. Pelo
contrário. Tolerar é saber que em uma sociedade plural, aberta, sempre temos de
conviver com coisas de que não gostamos totalmente ou de que gostamos muito pouco.
Em nome dessa convivência plural, temos de tolerar; naturalmente, sempre dentro
dos parâmetros da lei, dentro daquilo que é admissível, porque existem coisas
intoleráveis, como a violência, a exploração. Dentro daquilo que é aceitável,
jurídica e humanamente falando, existe uma grande diversidade de opções
religiosas, eróticas, culturais, e temos de nos conscientizar de que temos de
conviver com coisas das quais não gostamos.
No caso específico da sala de aula, o fenômeno migratório requer
adaptações para incluir essas crianças, inclusive em termos de didática. A
escola européia em geral, e aquela espanhola em particular, está pronta para
esse desafio?
Fernando Savater: Isso varia muito de país a país, pois a realidade
européia é multiforme. Infelizmente, a Espanha é um dos países que menos
investe em educação, que menos investe em cada aluno. Temos uma escola pública
bem deficiente. Existem alguns paradoxos, pois a escola privada funciona bem,
mas recebe fundos públicos, e é muito difícil que aceitem alunos vindos de
outros países, com problemas linguísticos ou com problemas de outros tipos.
Assim, a escola pública fica sobrecarregada, inchada com todos esses casos
especiais, para os quais não tem formação suficiente, preparação suficiente, o
que se torna um problema.
O senhor é um dos poucos filósofos que se ocupa da filosofia da
educação. Por que esse desinteresse por uma temática tão crucial?
Fernando Savater: Eu, francamente, nunca consegui entender essa atitude
por parte dos filósofos. A filosofia sempre se ocupou de educação. Platão, na
República, já insistia nesse tema. Na época moderna houve grandes filósofos que
trataram dessa temática, como Locke e Rousseau. Mas, não sei por que motivo,
nos últimos 50 anos se torna cada vez mais difícil encontrar pessoas
interessadas no assunto, justamente numa época em que a educação se tornou um
tema particularmente importante.
Fonte: http://www.fronteiras.com
Excelente entrevista. A disciplina Filosofia da Educação nos leva a refletir muitas questões da educação, mas infelizmente estas questões não são levadas a sério nas praticas de sala de aula. Concordo com a afirmação de Fernando Savater: "...o professor está abandonado pela sociedade", e acredito que seja um dos vários motivos que ajudam a educação esquecer da Filosofia da Educação, reflexões que seriam muito construtivas para uma melhor qualidade das nossas práticas.
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