quarta-feira, 27 de maio de 2015

A educação é o caminho para a mudança de consciência

O bom professor é aquele que transmite humanidades além de conhecimento, mas infelizmente as escolas ainda não cumprem um dos quatro pilares estabelecidos pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em 1990: o de educar para Ser.
 
O alerta é de Claudio Naranjo, médico psiquiatra chileno, escritor, professor na Universidade de Berkeley e pioneiro da psicologia transpessoal, além de indicado ao Prêmio Nobel da Paz em 2015. Recentemente ele esteve em São Paulo para o lançamento do livro "A revolução que esperávamos" e deu entrevista exclusiva para o Publishing Perspectives Educação. Para ele, a crise atual não é apenas econômica, mas um sinal da obsolescência do conjunto de valores, instituições e hábitos interpessoais que chamamos civilização. O caminho, ele indica, é a mudança da consciência pela transformação da educação, por meio de uma nova formação de educadores - orientada não só para a transmissão de informações, mas para o desenvolvimento de competências existenciais. Naranjo criou o Programa SAT (Seekers After Truth, ou, Em Busca da Verdade), um processo de autoconhecimento que envolve a inteligência emocional e espiritual, por meio de técnicas psicológicas de Gestalt e dos Eneatipos, desenvolvidos por ele. Em São Paulo, o educador fez uma palestra gratuita para professores e alunos do Colégio Dante Alighieri.

O que é educar para ser?
É um aspecto da educação proposta pela Unesco sem uma definição precisa que se refere principalmente à personalidade. No entanto, eu também incluo a ideia de ser capaz de superar os condicionamentos do caráter da natureza humana e começar a ter uma vivência direta da existência e decidir saber “o que se é”.

Como criar competências existenciais nos alunos?
Meu campo de experiência é o desenvolvimento adulto e estou convencido que as tais competências, assim como os valores em geral, devem ser transmitidas diretamente por “contágio” por aqueles que as representam. O programa explícito do meu projeto (SAT) tem por objetivo justamente o desenvolvimento destas competências. Confio que as pessoas que vão desenvolvendo e trabalham nos diferentes níveis da educação saibam usar sua criatividade para desenvolver um currículo experimental adequado para a juventude.

Em sua opinião, qual é o maior desafio na educação do Brasil?
Em todas as partes do mundo o desafio da educação deve ser o de servir ao desenvolvimento humano e não à reprodução da mente patriarcal através da instrução meramente intelectual e ao descuido da finalidade de formar seres humanos completos, capazes de amar e dotados de espontaneidade instintiva sem a qual se perde a criatividade e a saúde emocional.

Professores em greves em vários Estados, descontentamento, falta de infraestrutura nas escolas, formação deficiente. Como fazer com que esses professores tenham condições para educar em valores humanos?
Creio haver desenvolvido, através de mais de 40 anos de experimentação com grupos, um método ideal para dar aos professores o que as universidades têm descuidado.

O que é a cura pela educação?
Algo que por agora não se pratica, mas penso que deveria ser praticado em lugar de reduzir a educação a pura instrução. Penso, também, que os pilares do currículo que fariam falta são a recuperação da capacidade amorosa e altruísta, a liberdade que concebo como uma educação baseada no espírito dionisíaco (sentimento, ação e emoção) de fé no que é natural e na descriminalização do prazer, e ao espírito apolínico do desapego que equivale ao espírito de renúncia das tradições espirituais e especialmente da meditação budista.

Quais são os antídotos necessários à transformação de um mundo em crise?
Eles coincidirão com os antídotos à desumanização e à extinção da consciência. E, assim como disse Einstein, os problemas que enfrentamos só podem ser resolvidos por mentes diferentes daquelas que os criaram. Acho que só um sábio, benevolente, livre do que a nossa geração criou, irá recriar as nossas instituições patriarcais atuais.

Qual o papel da leitura na formação de uma criança e de um jovem?
É fundamental, porque a mente busca o conhecimento, mas aprende a rechaçar uma educação que pretende ignorar o vínculo da relação eu e tu.

Quais os principais valores que devem ser desenvolvidos na escola?
O amor solidário e a compaixão, a capacidade para o prazer, que coincide com o amor das pessoas por elas mesmas, sem o qual não pode ter fundamento o amor ao próximo, o sentido do sagrado, a consciência do momento presente, a compreensão da própria vida, a aspiração à sabedoria que chega pelo conhecimento do “Eu sou” e o desapego.

As novas tecnologias, a Internet e as redes sociais afastam crianças e jovens de uma educação mais voltada para o ser?
Tudo depende do contexto dos requisitos do sistema. Elas removem do Ser as exigências acadêmicas e a insistência da avaliação.

O bom professor é aquele que…
Transmite humanidade além de conhecimentos.
 
Texto: Ivani Cardoso

 

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